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Há mais ou menos 20 anos conheci o Bart, como é conhecido no meio ciclístico o Juliano Bart, numa prova de mountain bike. Pequena estatura, “troncudinho”, com um olhar sempre atento e profundo, o cara já impunha respeito entre a galera que ia nas competições. Sempre muito cordial com todos, inteligente nas estratégias e uso do equipamento, sempre tinha algo a nos ensinar. Passou o tempo, traçamos nossas vidas, fiquei de 2002 até praticamente 2012 longe das competições, e quando volto, quem está lá de novo, entre os primeiros da Categoria Elite nas provas de mtb? Sim, ele mesmo!

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Um dia, pela sincera admiração que sempre nutri por ele, e pela experiência similar que estávamos passando – ambos tínhamos acabado de ser pai! – pedi que ele escrevesse algo sobre essa nova fase da vida e como estava conciliando com o esporte. O que recebi foi um texto bem mais rico, falando não só sobre o tema que havíamos conversado, mas também sobre outras nuances das duas rodas que só alguém que lutou pra viver tão intensamente o ciclismo tem propriedade para falar. Agora, feita já a apresentação do autor, o que é justo e necessário para uma boa fruição da leitura, deixo vocês à vontade para viverem aí de onde estão a emoção de uma história que na tela pode ser curta, mas que na vida foi e ainda é um grande exemplo. Com vocês, Juliano Bart!

Por Juliano Bart

Lá se foram 20 anos e cá estou eu. Começou como uma brincadeira, e todos diziam: “vai estudar, moleque”, e eu estudei e não parei de pedalar. Sempre conciliei o pedal e os livros. Estudava de manhã e treinava à tarde, mesmo com a precaridade do equipamento e falta de informações sobre treinamento a galera andava muito bem com Alfameq, Caloi, Trek, Scott (essas últimas duas acessíveis somente para os mais abastados e pilotos profissionais). Ao terminar o ensino médio, não quis fazer nenhum curso superior, e coloquei na cabeça que seria um ciclista profissional; mas, como ser um profissional em uma área onde só existia amadores? Isso não foi longe, tive que arrumar um emprego e ai vieram as críticas novamente, “agora você não vai andar mais de bike” dizia a galera, e então dei meu jeitinho e continuei minhas pedaladas. Às vezes à tarde, outrora de madrugada, sempre arrumando tempo, motivado pela competitividade à flor da pele. O tempo foi passando e minha vontade de me tornar um ciclista profissional ia só aumentando.

Bart no alto do pódio!
Bart no alto do pódio!
Entre querer me tornar ciclista profissional e efetivamente me tornar, entrei na faculdade e em um curso fora dos padrões que se condizia com o meu estereótipo: fui fazer química. A partir de então o que eu mais ouvia era: “E ai Bart, tá gostando do curso de educa (se referindo à faculdade de educação física)? E eu sem jeito respondia que não fazia esse curso, e sim química, pro espanto geral… Nesse momento também tinham os agourentos falando que eu abandonaria o ciclismo: “quero ver trabalhar, estudar e treinar”! Minha resposta continuava no mesmo tom: “Então vocês vão ver”. Treino, trabalho e estudo era minha rotina, sempre dedicadíssimo, alimentação super balanceada, treino dentro das minhas necessidades, descanso mais ou menos e sempre conciliando tudo. Nesse tempo eu tava em uma fase ótima e andei ganhando uma grana com algumas corridas. Nessa época um amigo me disse: “Cara, você é bom! Tem que mergulhar de cabeça, tentar viver de ciclismo, vai lá”! E eu fui! Meu primeiro passo foi ganhar uma bolsa na faculdade, e o segundo foi sair do emprego. Nessa ocasião ouvia basicamente o seguinte: “você é louco!”. E eu nem dei bola, porque se não desse certo era só voltar a trabalhar. Continuei ganhando corridas e uma equipe profissional me contratou. Dentro dessa equipe pude então correr uma Volta, e diga-se de passagem, uma Volta do Estado de São Paulo. Estava vivendo o que tinha almejado, e poucos conseguem isso. Viver de uma modalidade esportiva em um país monomodalidade. Nesses quase 20 anos eu jamais perdi a esperança, eu sempre acreditei, treinei de madrugada, na hora do almoço, às 3 da tarde ou 8 da manhã: o que fiz, foi não deixar de treinar, pois penso que não existe ninguém melhor que ninguém, existe sim é uma pessoa melhor condicionada, melhor treinada a fazer determinada tarefa que a outra.

E o tempo não parou. Conheci uma pessoa maravilhosa, a Yara, e nos casamos. Aí vocês já sabem, a turma do “agora abandona” voltou a se manifestar! Imaginem se eu abandonei! A Yara passou a ser minha maior incentivadora. Me adaptei novamente ao meio e continuei pedalando, agora conciliando mais um elemento: a família. Mas a virada real aconteceu, e veio em abril de 2013, quando decidimos gerar a Clara. Foi um pouco conturbado, mas nada fora do normal para uma gravidez. Quando nossa a pequena Clara nasceu, em janeiro de 2014, ai sim eu vi o que um filho faz na vida de uma pessoa. Então eu disse a mim mesmo : “é Juliano, agora é hora de parar”. E pela primeira vez na vida eu tive medo da morte; irônico isso não? Antes ficava 8h pedalando na estrada, agora tinha medo de ir à padaria de bike. A turma do “agora para” nem comentou, mas o tempo foi passando e algumas pedaladas iam saindo meio tímidas. Hoje a Clara esta com 11 meses, e quando ela me vê com a fantasia de ciclista, fica toda eufórica. E agora, será que faria sentido eu abandonar o ciclismo? Mais uma vez eu vou me adaptar ao meio e continuar fazendo o que eu sei de melhor, trabalhado, cuidando de minha filha, estudando, dando atenção para minha querida Yara, e pedalando , pedalando muito.

Não vou negar aqui pra vocês que já pensei em desistir. Pensei, e é nessas horas que a figura do treinador entra para dar aquela arribada. Até hoje essa relação me ajuda. As palavras de motivação de uma pessoa que me conhece melhor que eu mesmo, faz total diferença para uma vida de sucesso no esporte. Hoje o acesso a um profissional de educação física capacitado para elaborar um plano de treinamento é muito mais fácil do que a 10, 20 anos. A individualização do treinamento permite ao atleta render muito mais do que fazer treinos genéricos, alheios aos seus objetivos e características. Ter um treinador é um atalho até o podium.

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Durante uma prova na categoria Elite, em 2014. Créditos da foto: Associação Sertanezina de Ciclismo – Aldemir Rocha Mutuca

O tempo nos impõe diferentes condições de vida, nos adaptarmos ou não a elas depende de nós mesmos. Por mais difícil que possa parecer encaixar um treino na sua rotina, há uma brecha, uma luz, e essa luz tem que ser seguida pela sua vontade. Seu desejo de melhora tem que ser maior do que a força que te puxa para trás, e é só assim que haverá chance de superação. Esqueça das limitações, lembre o quanto é bom passar na linha de chegada sentindo-se um vencedor!